In Memoriam | Rogério Samora, Lourdes Castro, José Álvaro Morais e Peter Bogdanovich

Este mês a Medeia Filmes programou um conjunto de sessões especiais em memória de pessoas especiais que nos deixaram recentemente (e não só).

Sessões Especiais no Cinema Nimas


Rogério Samora
Rogério Samora (1959-2021) foi um dos rostos principais do cinema português das últimas décadas. Trabalhou com Manoel de Oliveira, José Álvaro Morais, João Botelho, António-Pedro Vasconcelos e Miguel Gomes, entre outros, mas foi com Fernando Lopes, com quem manteve uma grande cumplicidade, que o seu trabalho no cinema teve maior projecção. O Delfim foi talvez o seu melhor papel no cinema. É com ele que vamos matar saudades do actor e amigo que partiu no final de 2021.


Adaptação do romance homónimo de José Cardoso Pires, com argumento de Vasco Pulido Valente, O Delfim é o retrato da agonia de um país (Portugal em finais da década 60) e da decadência de um regime que seria anos mais tarde derrubado pela revolução de Abril. Samora é Tomás Palma Bravo, o Delfim, senhor da Lagoa e da Gafeira, marido de Maria das Mercês (Alexandra Lencastre, num grande papel, e que seria de novo par de Rogério Samora em Lá Fora, o filme que se seguiu na obra de Lopes), que vê desabar à sua frente o mundo onde sempre viveu e que dominava…

Cópia 35mm
23 Janeiro - 22h - Cinema Medeia Nimas - Com a presença do produtor Paulo Branco e actores


Lourdes Castro
Lourdes Castro (1930-2022) foi uma das maiores artistas portuguesas da segunda metade do século XX e início do século XXI. Fascinada pelo seu trabalho (adolescente, assistira no CAM aos seus “teatros de sombras”), Catarina Mourão quis fazer um filme com a artista e Pelas Sombras foi realizado na localidade madeirense do Caniço, na casa que Lourdes construiu com o marido, o artista Manuel Zimbro, quando, depois de muitas décadas a viver em Paris e em Berlim, decidiram voltar para Portugal. E Catarina fascina-se de novo, com a “magia no quotidiano das coisas”, e filma Lourdes no seu espaço e na sua quietude, a tratar das plantas, a revisitar os seus álbuns de família, os livros de artista. Os gestos de todos os dias, o respirar.


Um filme belíssimo, delicado e de uma grande intimidade, feito de cumplicidades e com sentido de humor. A certa altura, Lourdes de Castro diz, referindo-se ao espaço que a rodeia: “A minha pintura é esta. Não a posso transportar. Ela nem quereria mudar de sítio.”

26 Janeiro - 21h - Cinema Medeia Nimas - Com a presença de Catarina Mourão e outros convidados


José Álvaro Morais
A obra de José Álvaro Morais (1943-2004) é uma das mais ricas da história do cinema português. Roubado prematuramente à vida quando tudo parecia finalmente encaminhar-se para filmar com mais regularidade, depois do encontro com Paulo Branco em Peixe-Lua (2000), José Álvaro Morais desaparecia precocemente, aos 60 anos, a 30 de Janeiro de 2004, pouco depois da estreia de Quaresma (2003).


O cineasta descrevia assim Peixe-Lua: “um filme com personagens em desequilíbrio para a frente, uns mais enérgicos e outros mais preguiçosos. Que a meio parece transformar-se em road movie mas que, afinal, volta ao ponto de partida. Aparentemente. É um filme de Verão, de Verões. Há duas épocas no filme, dois Verões separados por meia-dúzia de anos, os anos do fim da juventude, o tempo que os personagens levam a aperceber-se de que estão a ficar sós.”

Cópia 35mm

30 Janeiro - 16h15 - Cinema Medeia Nimas - Com a presença do produtor Paulo Branco e dos actor Marcello Urgeghe, entre outros


Peter Bogdanovich
Peter Bogdanovich (1939-2022) foi um dos “movie brats” saídos, como outros na altura, da “oficina” de Roger Corman, com o qual começou a trabalhar no cinema, depois do teatro (como actor e encenador), da programação e da crítica (que ele dizia ter começado a fazer para poder ver filmes à borla; mais tarde faria livros sobre os realizadores que amava: Ford, Hawks, Lang, Dwan…). Em 1966 foi argumentista e em 1968 realizava o seu primeiro filme (Targets).


A sua ascensão foi rápida e em 1971 A Última Sessão / The Last Picture Show tornava-o famoso. Filme “fordiano”, belíssima evocação do cinema dos anos 40, filmado a preto e branco por sugestão de Orson Welles, é o retrato da juventude de Anarene, uma pequena cidade no Norte do Texas, em 1951, onde três adolescentes, entre a descoberta da sexualidade e a ansiedade causada pela iminência de serem chamados para a Guerra da Coreia, tentam adivinhar o que vão fazer com as suas vidas. Entretanto, no cinema da cidade cada vez mais deserta, vai ter lugar uma última sessão antes do seu encerramento. O filme que aí será exibido é o western de Howard Hawks, Rio Vermelho. A Última Sessão foi um êxito colossal com 8 nomeações para os Óscares (o filme ganharia dois, os de Melhor Actor e Actriz Secundários) e revelava uma actriz, Cybill Shepherd, com quem o realizador se casaria pouco tempo depois. No ano seguinte, o sucesso foi ainda maior com Que se Passa Doutor? / What’s up Doc?, com Barbra Streisand, filme “hawksiano” na esteira das suas screwball comedies. Nesse ano criava com Coppola e Friedkin a Director’s Company, e foi com ela que produziu Lua de Papel / Paper Moon (1975), onde recreava a América dos anos 30 e descobria Tatum O’Neal, a mais jovem actriz a receber, à data, o Óscar para Melhor Actriz Secundária. Com uma espantosa fotografia de Laszlo Kovacs este é ainda um filme “fordiano” (andam por lá outros ecos, de Hitchcock, mas também de Chaplin, de Capra, etc, que Bogdanovich era cinéfilo bulímico; mas não o fazia para agradar a um público culto, antes para seu belo prazer e por achar que era com os grandes que se aprendia).


João Bénard da Costa dizia que “o cinema de Bogdanovich não se admira: ama-se”. São estes três filmes maiores e que amamos que veremos na evocação do cineasta.